sexta-feira, 29/março/2024
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Os números da transição

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O exercício analítico dos números de uma administração não permite tanta objetividade como se pressupõe. Ademais, também está sujeito a interpretações ou aprofundamento que embase uma ou outra argumentação. O ex-prefeito de Cuiabá e deputado eleito, Wilson Santos, sujeito oculto no gabinete de transição do futuro governador, publicou um artigo fazendo um dos raciocínios possíveis sobre alguns desses números.

Wilson pauta seu artigo na questão de um suposto desequilíbrio fiscal, uma vez que as despesas com custeio e pessoal cresceram nos últimos 12 anos, período da era Blairo-Silval. Argumenta que a despesa com pessoal cresceu 355%, passando de R$ 1,2 bilhão para R$ 5,8 bilhões. Desconsidera, no entanto, as recomposições salariais do período, índices inflacionários básicos, como a variação do IDP-DI, que saltou no período de jan/2002 a jun/2014 em 155,16%. Além de desconsiderar o aumento efetivo de servidores em função das demandas X população crescente.

Despesa com o custeio da máquina também é um dos pontos tido como catastróficos pelo ex-gestor municipal, uma vez que cresceu 307%, sendo que o ICMS cresceu no mesmo período apenas 240%. A lógica do tucano é de que o gasto com custeio e pessoal deveria acompanhar o crescimento do ICMS. Mas também não fala nada sobre as outras fontes que poderiam cobrir o suposto rombo, parecendo mais um exercício retórico do que lógica contábil.

Wilson ainda fala sobre o decréscimo da capacidade de investimento com recursos próprios, na ordem de 12%. Mas não cita a capacidade de financiamento (endividamento), um índice que somente é possível com um estado adimplente, totalmente em dias com suas obrigações, ou seja, com as finanças equilibradas. Nenhuma instituição empresta dinheiro a estado falido, e não foi o que se viu nos últimos anos, inclusive com a realização de obras colossais, sob o ponto de vista do recurso investido e tomada de empréstimos, sem entrar no mérito de sua eficácia e outras nuances, como os atrasos.

Diz ainda que capacidade de investimento irá diminuir em função da nova Lei do Fethab, que em 2015 vai deslocar R$ 257,4 milhões das mãos do estado para os cofres das prefeituras. Nada mais justo, uma vez que as pessoas moram nas cidades e não no estado, só para fazer, também, um exercício retórico. Ademais, essas ponderações tem o condão de justificar algo lá na frente, o que pode incluir o não repasse dos 50% do Fethab aos municípios, conforme vem propondo reiteradamente os apoiadores do novo governo.

Juros e serviços da dívida também são problemas apontado por Wilson, que no seu texto aponta um salto de R$ 642,8 milhões em 2013 para R$ 1,2 bilhões em 2015. Esconde, no entanto, o exercício de 2014, amplamente debatido no período eleitoral, na casa dos R$ 900 milhões. Aqui um erro simplório, ou intencionado. Wilson diz que aumentou quase 90% o custo da dívida em apenas dois anos. Dados do fiplan mostram que o valor projetado de 1,2 bilhões não se refere apenas aos juros e encargos, mas também amortização, sendo que aproximadamente 50% deste valor é o comprometimento com o pagamento da dívida, sendo que apenas os outros 50% são de serviços.

No final do artigo cita um déficit orçamentário projetado na casa de R$ 976 bilhões, dando a entender que existe um furo dessa escala no caixa do governo, permitindo outras digressões, que no senso comum pode acabar sendo interpretado como rombo de caráter não republicano, embora tenha o cuidado de elaborar as palavras para não cometer injustiças, deixando estas para terceiros.

O déficit da previdência é um caso à parte. Desde a gestão do então Secretário de Fazenda tucano, Valter Albano – e lá se vão 14 anos -, já existia uma discussão sobre o crescimento dos inativos e pensionistas, que cresciam exponencialmente, enquanto a arrecadação não acompanhava na mesma proporção, e certamente a bolha um dia explodiria, embora nenhum governo tenha tratado a questão previdenciária de forma incisiva. E não há no horizonte próximo uma resolutividade, especialmente evidenciada no programa de governo no gestor eleito. Apontar os problemas é fácil, mas não se pode dizer que todos tenham a capacidade de resolvê-los.

O cenário, portanto, só é estarrecedor para quem não tem um projeto, e se as respostas a eles forem apenas cosméticas e midiáticas. Todos os concorrentes ao comando do governo este ano e seus respectivos grupos políticos sabiam que o quadro para o próximo mandato não seria dos melhores, mas todos tinham também uma plataforma para suportar entre tantos outros problemas, o comprometimento da dívida, que antes era de 14%, e diminuiu para aproximadamente 9%. O exercício retórico de Wilson não menciona isto. E mesmo que haja uma projeção de dívida em algumas áreas aquém do real, é sempre possível incrementar o orçamento, especialmente se houver rigor do governo.

Com um esforço fiscal simples, sem necessariamente entrar na dívida ativa, por exemplo, é possível resgatar R$ 1,5 bi aos cofres públicos. Rever alguns incentivos pode colocar de 1 a 13 bi, sendo que R$ 1,2 já no primeiro ano é perfeitamente praticável e não provoca sobressaltos de investimentos. Como se não bastasse essas duas opções de incremento da receita, também há a possibilidade de um exercício tributário e arrecadatório criativo, enxugamento da máquina, diminuição dos gastos, eliminação de desperdícios, etc. E num patamar mais radical de opções, ainda é possível obter aproximadamente R$ 2,5 bilhões cobrando o ICMS dos grandes produtores que são beneficiados pela Lei Kandir. E para não se falar em aumento de imposto, é possível também derrubar o Fethab, que coloca cerca de R$ 900 milhões em caixa, o que acabaria restando ainda R$ 1,4 bilhões.

O cenário de terra arrasada pregado no texto, não condiz com a realidade fiscal do estado, são meros números soltos que se unem para dar força a um argumento. É um quadro ruim, mas nada que não possa ser resolvido com algum empenho e vontade política. Digo isso não como defensor do atual governo, mas como alguém que disputou parcialmente as eleições com estes números na ponta da língua e respostas efetivas para todos eles.

É imperioso que um governo que se queira ser mais resolutivo e menos retórico, trate com mais ações e menos chororô, venda otimismo para atrair mais investimentos e não pessimismo para justificar o impacto das políticas impopulares que eventualmente venha praticar. É preciso, sobretudo, criar mecanismos fiscais e de controle interno, agir austeramente, ter criatividade para reduzir gastos, e ter finalmente um estado menos perdulário. Mais importante ainda, é ter coragem para cortar excessos e capacidade para gerir de forma correta aquilo que é apontado como falho.

Há uma distância entre falar e fazer. E torcemos, sinceramente, para que este governo encurte essa distância e coloque mais mãos à obra e menos frases de efeito no ar, diferente do que se mostra nesta fase de transição. Sobretudo, torcemos para que seja um governo que fabrique mais soluções que paixões? Afinal, o povo não escolheu um novo governador, na esteira da mudança, para ficar reclamando das coisas que estão erradas, mas para resolvê-las. Um paciente não quer saber se o médico é feio ou bonito, quer que ele cure a doença.

José Marcondes é jornalista e ex-candidato ao governo de Mato Grosso.

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